Finalizada em ou Última atualização: 26/02/2021

Ela

E não sei se vou conseguir
Arrancar da minha pele
Aqueles beijos proibidos
Que você me deu ontem.
- No Digas Nada / RBD
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Provença, outono de 2016

— Não podemos mais fazer isso. — disse a mulher misteriosa ao sussurrar em meu ouvido, sendo envolvida por meus braços.

Nossos beijos intensos estavam cada vez mais quentes e ousados, me deixando mais apaixonado ainda. Para mim, aquele inesperado relacionamento seria o mais curto da minha vida, não por que eu queria. era uma misteriosa mulher de característica indomável, o que me atraía mais ainda. Tudo começou quando nos esbarramos aleatoriamente em uma casa noturna. Passei parte da noite consolando um amigo traído por sua namorada, quando a vi na pista de dança. Meu corpo se arrepiou quando nossos olhares se encontraram.

É a mulher da minha vida! Pensei comigo. Futuramente eu descobriria sim que ela estaria sempre na minha vida, mas não da forma que eu queria.

— Não podemos… — ri baixo, mantendo meu olhar fixo nela, não a deixando se afastar — Está em seus olhos que você quer ir até o fim.
, você sabe qual é nossa realidade atualmente. — argumentou ela — O que eu quero não importa mais.
— Tem certeza? — eu a beijei novamente com certa malícia.

Pela minha vontade, eu faria daquele pequeno cômodo chamado adega, nosso espaço de desejo e prazer. Porém, colocou a mão em meu tórax,me afastando de leve. E ao retomar seu fôlego, manteve o olhar sério, com uma ponta de vulnerabilidade escondida.

— Não podemos ficar mais sozinhos, nunca mais. — disse ela ao pegar a garrafa na prateleira atrás de mim e sair pela porta.

Eu respirei fundo, senti minhas mãos fechando meus punhos de raiva. Não conseguia entender  seus motivos e porque ela estava fazendo isso comigo. Primeiro me atraiu, depois de deixou e agora finge não me querer, quando todo o seu corpo dá sinais positivos.

— Eu ainda vou parar no hospício por causa dela. — sussurrei para mim, consertando a gravata em meu pescoço e saindo da adega.

Tania, a empregada, passou por mim com um olhar assustado. Será que tinha visto saindo dali antes de mim? Eu já não me importava mais com isso. Meu coração já se encontrava tão ferido e machucado que minha vontade era de contar toda a verdade sobre nós dois e destruir o sorriso falso de felicidade dela. Assim que cheguei na sala, me deparei com a família reunida. Minha irmã Christie estava sentada na poltrona perto da lareira com seu bebê nos braços e sendo acariciada nos cabelos por seu marido Georgie.

Após anos em tratamento de fertilização, finalmente a pequena Bridget veio ao mundo com suas bochechas rosadas. Esta era a parte feliz e de orgulho da nossa família. Já eu, segundo nosso patriarca, só conseguia transmitir desgosto e vergonha. O filho irresponsável que apesar de trabalhar na empresa e mostrar a competência profissional, não passava de leviano quando se tratava de compromissos relacionados ao matrimônio. 

Bem, eu nunca pensei em me casar, ter filhos menos ainda. Gostava da minha vida de solteiro. Da independência que tinha e alguns momentos de adrenalina quando me relacionava com mulheres comprometidas às escondidas. A única vez que imaginei numa situação assim, no altar esperando por minha noiva, foi com . Vislumbrar um futuro ao seu lado, com ela acordando em meus braços todas as manhãs e sussurrando meu nome quando a deixo arrepiada.

— Circo dos horrores. — sussurrei a mim mesmo, me encostando na parede e olhando a cena que me cortava ao meio.

Fui servido de um copo de Château por meu cunhado, que ao me ver veio falar comigo. Seu olhar permanecia curioso para mim.

— E onde está a tal mulher que nos apresentaria hoje? — perguntou ele.
— Só existe em meus sonhos. — disse, elevando um pouco mais minha voz — Mulher nenhuma vale os anos de minha vida, que gastaria ao seu lado.
— Isso é só mais uma desculpa para continuar sendo imaturo? — a voz de meu pai soou pela sala, com um charuto na mão, pigarreou um pouco — Quando vai se tornar o homem que deveria ser, ?
— Não o cobre demais querido. — disse a voz feminina doce e suave.

Meu olhar se voltou para a mulher em questão. Um sorriso presunçoso nos lábios e um olhar falsamente inocente. Ainda não conseguia engolir a história de como conheceu meu pai e, em um curto espaço de tempo, se tornou sua noiva. Mas era isso, a mulher que minutos atrás estava aos beijos e carícias comigo dentro a minúscula adega, agora estava posando de noiva do ano ao lado do homem que se dizia meu progenitor.

— O senhor está no seu quinto casamento, em que isso me seria exemplo de maturidade? — o confrontei sem medo do que poderia fazer.
— Olhe como fala comigo. — meu pai se levantou do sofá num rompante, porém, foi parado pela delicada mão de , em seu braço.
— Querido, hoje é um dia para ser especial, é seu aniversário e estamos há uma semana de nosso casamento, não se chateie com coisas insignificantes.

Insignificante? Ela estava se referindo a mim? Soltei uma gargalhada debochada e mantive meu olhar nela, tomei o líquido do copo em uma golada sentindo minha garganta arder de raiva.

— Vou me retirar, não tenho estômago para isso. — disse a eles, deixando o copo vazio na mesa ao lado e me retirando.

Retirei as chaves do meu carro do bolso e segui para o estacionamento. Assim que entrei, dei a partida com o destino a bem longe daquela casa. Estacionei em frente à lanchonete do Philip, o único lugar dos tempos de adolescente que ainda achava graça frequentar. A decoração retrô me dava um sentimento de nostalgia. E tinha o fato de uma velha amiga sempre estar presente para ouvir meus problemas.

— Vamos de quê hoje senhor mal humorado? — disse ao se aproximar de mim com um olhar sereno.

Voltei meus olhos para ela. Que mantinha uma mão na cintura, com aquele avental amarelo de bolinhas e uma presilha de rosa no cabelo. Ao longo dos anos de nossa subjetiva amizade, ela não tinha mudado nenhum milímetro. Sempre otimista e alegre com tudo, às vezes dava até enjoo disso.

— Não quero nada. — inclinei meu corpo para trás, encostando no encosto do sofá.
— Ok, um café expresso sem açúcar e dois cookies, anotado. — disse ela, ao anotar alguma coisa no bloco em sua mão — Sabe que não pode ficar sem consumir algo, o senhor Philip não deixa.

Ela se afastou rindo de mim. Parecia se divertir com meus momentos de queda humana. Passei longas horas ali, até o final do expediente de . Aproveitei a deixa para levá-la em casa, assim poderia desabafar.

— Surpreenda-me, . — disse ela, me chamando pelo apelido ao me olhar, assim que parei o carro em frente ao prédio onde morava.
— Ela vai seguir com o casamento, , ela vai mesmo se casar com meu pai, um homem trinta anos mais velho que ela. — soltei um suspiro cansado e desacreditado — E o pior é que ele ainda se acha um exemplo para mim, deixou minha mãe para se casar com mulheres mais jovens e agora…
— Meus sentimentos. — manteve o tom baixo, e um olhar compreensivo — Lamento que você tenha se apaixonado logo por uma mulher assim, mas deve ser a vida te dando o troco por ter feito tantas outras chorarem.

Ela soltou uma gargalhada maldosa.

— E ainda se diz minha amiga. — voltei meu olhar para frente, amargurado — Não imagina o quanto estou destruído por dentro, não queria me sentir assim.
— E o que vai fazer agora? — perguntou ela.
— Vou sair daquela casa. — respondi — Só de pensar que posso acordar pela manhã e vê-la saindo do quarto dele, meu estômago embrulha de uma forma.
— Já que vai sair da sua casa, que tal mudar sua perspectiva de vida por completo? Não seria nada mal você mudar de emprego também e tentar coisas novas, viver de verdade a liberdade que tanto procura. — sugeriu ela.

Olhei para o brilho do seu olhar, pelo retrovisor da frente. Minha amiga sempre tinha palavras de conforto para mim.

— Como posso ser livre, se meus pensamentos estão amarrados a . — soltei outro suspiro cansado — Fecho os olhos e somente ela permanece diante de mim.
— Você foi enfeitiçado ein. — brincou ela, rindo — E nada como uma reabilitação para se livrar desse sentimento, e não estou falando de sair por aí enchendo a cara e trasando com toda mulher que aparecer na sua frente.

Eu a olhei assustado com suas palavras.

— Do que está falando? — indaguei a ela.
— Não acha que está na hora de ser um homem mais maduro? E não falo sobre casamentos, mas você pode ser feliz sem depender de outra pessoa. — ela começou a me explicar com um olhar gentil e empático — Que tal fazer aquela viagem que tanto planeja desde o ensino fundamental? Já é um início para se descobrir como pessoa e esvaziar a mente dela. 

Fiquei pensativo em suas palavras.

— Desde que a conheceu, você vive em função de pensar nela, falar dela, ver ela, essa mulher se tornou uma droga para você, como uma toxina que deve ser removida do seu organismo agora. — ela continuou destemida em suas palavras — Faça mais uma loucura em sua vida, se afaste de todos, viva as aventuras que aquele adolescente sempre ambicionava e se permita esquecê-la, porque posso ver que parte de você não quer, por isso sempre está pensando na .

Eu sorri de canto para ela.

— Não acredito que seja minha amiga. — comentei agradecido — Você é boa demais para mim.
— Também acho. — ela sorriu de leve.
— Quer saber, farei isso. — afirmei com segurança — Tenho um dinheiro guardado que pode ser útil para isso, farei minha viagem ao mundo para me curar desse sentimento, mas…
— Mas?
— Não irei sozinho. — assegurei a ela.
— Não?! — me olhou assustada.
— Você virá comigo. — expliquei melhor, com um sorriso de canto.
— O que? Você é louco James?! — ela manteve um olhar desacreditado.

Certamente, achava uma brincadeira de minha parte.

— Não. — respondi com tranquilidade — Você é minha melhor amiga, não posso fazer isso sozinho.
— Eu tenho uma vida aqui, sabia? — argumentou ela — A lanchonete do Philip, meus avós, minha família toda está em Provença.
— Um amigo precisa de você, mas mesmo me deixar passar por isso sozinho? — fiz um olhar de cachorro sem dono.

Não conseguia imaginar outra pessoa para se divertir comigo nessa louca viagem. 

— Seu chantagista barato. — resmungou ela — Um ano, é o tempo que posso dispor a você.
— Você é a melhor amiga do mundo. — abri um sorriso animado para ela.
— Sou a única, seu mercenário. — ela destravou o cinto de segurança e abriu a porta do carro e desceu.

Os dois dias passaram comigo dormindo na casa de Carlise Tenebrae. Podia dizer que ele era meu único amigo da Continuum, sendo um fator de suma importância para meu pai. Felizmente era uma amizade verdadeira e não somente jogos de interesse. Mandei um entregador buscar minhas malas na casa da família, para não ter que me deparar com os últimos preparativos da recepção. 

Deitado na cama, eu só queria me manter inerte aquele dia. Esquecer que existia por 24 horas. Até que um rosto conhecido apareceu na porta do quarto em que estava instalado. Violet minha, irmã mais velha mantinha um olhar enigmático para mim, mas sabia que tinha inúmeras coisas para me dizer, conselhos para me dar.

— Se está aqui para me convencer de ir àquele casamento, pode esquecer. — disse voltando meu olhar para o teto — E como soube que estou aqui?
— Sua lista de amigos leais é meio restrita, sabe. — respondeu ela, entrando mais — E não se preocupe, se eu pudesse nem eu iria, mas tenho que manter as aparências, e meu marido é um Tenebrae.

Respirei fundo e ergui meu corpo olhando-a. Apesar de ser filha da primeira esposa do nosso pai, Violet foi criada por minha mãe boa parte de sua infância, o que a fez criar um carinho especial por ela. Nossa cumplicidade de irmãos também era 

— O que quer aqui então? — perguntei.
— Não posso estar com saudade do meu irmão? — retrucou ela.
— Eu te conheço. — devolvi.
— Não deve estar sendo fácil para você aceitar que a noiva do papai tem a sua idade. — continuou ela — Tenho certeza que ela é uma interesseira que só pensa em dar o golpe.
— Não me importo mais com isso, vou sair da empresa e viver a minha vida longe dessas coisas que só me consomem por dentro. — disse com firmeza.
— Vai mesmo aceitar essa união deles? — seu olhar parecia de indignação.
— Não me importo com o que o nosso pai faz de sua vida, nunca me considerei herdeiro dele mesmo, nem estou no testamento apesar de ser filho. — soltei um riso baixo — Os dois se merecem.

Apesar de todos os argumentos que Violet tentou me dar, não me importei. Nem mesmo queria ter acordado naquele dia, mas lá estava eu me forçando a não pensar nela dizendo sim, no altar.

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Um ano depois…

Estava de volta a Provença. E ao longo de um ano longe de todos, muita coisa tinha mudado em minha vida e em meu coração. Não acreditava que passar 365 dias ao lado da minha melhor amiga, me ajudaria abrir os olhos e ver o quão linda e especial era. Me arrisco a dizer que finalmente tinha encontrado a mulher da minha vida. Alguém que me faz sorrir ao contemplar o pôr-do-sol na Grécia, correr sem direção pela chuva nas ruas de New York, tomar café sentado na calçada ao som de um artista de rua em Seoul. Com ela experimentei a felicidade nas coisas mais simples e pequenas da vida.

— Está mesmo pronto para entrar nesse lugar? — perguntou , ao segurar em minha mão.
— Com você ao meu lado, sim. — pisquei de leve para ela e sorri — Obrigado por tudo.

Eu me inclinei um pouco e a beijei de forma suave e envolvente. De alguma forma louca, o amor que descobri nos braços dela me dava forças até mesmo para viver meus sonhos. Fomos recebidos por Tania na porta. Meu olhar foi diretamente para a escada, em que descia com toda pompa e charme. 

— Irmão. — disse Christie ao vir da sala e me ver, ela me abraçou forte — Que saudade. Chegou quando.
— Ontem, pela manhã. — respondi, mantendo o olhar discreto em , que nos observava.
— Seu pai tem sentido sua falta. — comentou , ao terminar de descer os degraus — Que bom que voltou.

Seu olhar estava curiosamente mais intenso para mim.

— E . — minha irmã a olhou — Que surpresa.
— Ah, tenho uma novidade, e eu estamos noivos. — contei às duas, observando a reação de minha agora, madrasta.
— Noivos?! — a voz do meu pai soou do corredor para seu escritório — Finalmente se tornará um homem mais responsável.

Soltei um suspiro de desagrado, sentindo apertar forte minha mão.

— Só estou surpreso que seja você , meu filho não a merece. — brincou meu pai, vindo abraçá-la.
— Tenha certeza senhor Vidal, seu filho reconhece isso todos os dias. — disse ela, com um sorriso no canto do rosto.
— E como estão seus avós?! — perguntou meu pai.
— Estão bem, felizmente. — respondeu ela.
— E você meu filho. — ele me olhou seriamente — Voltará para a empresa?
— Estou avaliando minhas possibilidades.— respondi para ele.
— Ficarão para o jantar? — perguntou , ao se colocar ao lado do meu pai.
— Sim. — respondi.

Seguimos para sala. Alguns minutos depois meu pai propôs um brinde em celebração ao nosso noivado. Eu me ofereci para pegar o vinho na adega. Me deslocando até lá, entrei no cômodo e comecei a procurar pela garrafa de Bordeaux 1975, a relíquia da família. Foi quando senti uma mão me puxar e logo um beijo ardente foi iniciado. 

De olhos fechados, mesmo não a vendo, reconhecia o gosto daqueles lábios. Meu corpo estremeceu internamente e meu coração pulsou mais forte. Eu havia passado um ano longe e conseguido me libertar das amarras que me prendiam. Entretanto, beijar agora, fazia com que partes daqueles sentimentos adormecidos acordem dentro de mim.

— O que está fazendo? — perguntei a afastando de mim.
— Só estou comprovando que não me esqueceu. — disse ela, num tom presunçoso com o olhar de felino predador.
— Com que direito faz isso? — segurei em seu braço, lhe impedindo de se aproximar novamente — Não mais pertenço a você.
— Não é o que seu corpo diz, pode estar com sua amiguinha, mas é a mim que anseia. — ela manteve o olhar de dominadora — Pegue o que você deseja.

Suas palavras instigantes me deixaram sem reação. 

O que ela queria afinal? Me enlouquecer?

Hoje, as nuvens não se vão da minha janela
E não sei se quero acordar
Deixarei meu coração debaixo de travesseiro
Caso você, um dia, queira voltar.
- No Digas Nada / RBD

Vida: Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.” - by: Pâms




FIM.





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