Loving
Seattle, primavera de 2017
Lá estava eu debruçada na sacada do quarto em que me instalaram, olhando o casamento que acontecia no jardim. Sei que minha meia-irmã April entenderia minha ausência no dia mais feliz de sua vida, mas não conseguiria presenciar toda a cerimônia vendo meu amor platônico da infância se casando com ela.
Sim. Esta era minha sina. Passei parte da minha vida amando alguém em segredo, e quando finalmente resolvi me declarar. Este alguém estava de joelho pedindo minha irmã mais nova em casamento, bem ao centro da sala de estar na presença de nosso pai e minha madrasta. Agora, eu teria que conviver com isso apenas. Deixar as insistentes lágrimas rolarem por meu rosto às escondidas. Jamais atrapalharia a felicidade deles, afinal, foi minha covardia que não me deixou ser honesta comigo mesmo e com .
— ?! — ouvi uma voz me chamar com dois toques na porta em seguida.
Enxuguei as últimas lágrimas e ergui meu corpo. Precisava demonstrar uma falsa felicidade, já que parte do meu coração estava triste. Voltei o olhar para a porta e vi a preocupação no rosto de minha mãe.
— Sim?! — mantive o rosto suave.
— Porque não está na cerimônia, com todos? — perguntou ela, ao adentrar mais e fechar a porta — April perguntou por você antes de ser levada ao altar, sabe que sua irmã sempre fez questão de dividir seus momentos felizes com você.
— Eu sei mãe, mas hoje sou eu que não estou no clima de momentos felizes. — afirmei a ela.
Para minha mãe eu não tinha vergonha de dizer a verdade. Por várias vezes ela havia me aconselhado a expor meus sentimentos, ainda que fosse difícil ou complexa a situação. Ela sabia do meu amor por desde que o conheci no primário, após o divórcio dos meus pais. Nossa amizade sempre foi forte e sólida, até que descobri estar apaixonada por ele, após um beijo acidental no ensino médio. Talvez o medo de perder um amigo me fez ocultar o que sentia. E April foi mais corajosa ao se declarar a ele. Enfim, nada mais importa agora, uma família estava sendo formada no jardim.
— Está arrependida? — ela se aproximou mais e me puxou para sentarmos na cama.
— Em parte sim, mas de que adianta estar arrependida, não vai mudar a realidade atual. — soltei um suspiro cansado — Só quero me afastar de tudo isso.
— Querida, não acha que está na hora de mudar suas atitudes? Sempre que se sente assim, sua auto defesa é se afastar de todos, e isso só te prejudicou até hoje. — ela manteve um olhar compreensivo e carinhoso — Sei que será difícil para você conviver com a nova realidade, mas precisa enfrentar isso de frente.
— Desculpa mãe… — eu a abracei forte e depois me levantei da cama.
Ela ficou sem reação inicial, apenas me observando. Então, peguei minha bolsa e minha mala, para deixar aquela casa. Sim. Eu estava fugindo. Como sempre fiz em toda a minha vida, mas não tinha forças. Já havia aguentado o suficiente com o noivado e todas as empolgações de April com os preparativos da cerimônia. Era muito para mim ainda ficar com o sorriso no rosto e uma taça de champanhe na mão na recepção dos convidados.
Chamei um táxi e o mais discreta possível, segui para a casa da minha mãe. Eu já havia vendido meu apartamento e estava com tudo milimetricamente calculado para quando esse dia chegasse. A oferta de trabalho em Chicago havia chegado em boa hora, deixaria Seattle sem o menor problema. Era hora de virar a página e começar de novo. Não somente no lado sentimental, mas também profissional, já que eu trabalhava na mesma empresa de . Para ser honesta, trabalhar para uma família da Continuum tinha suas vantagens e me abriria muitas portas também.
— Passagem, ok, cartões, ok, documentos, ok, celular, ok… — comecei a conferir item por item dentro da minha bolsa.
Deixei a mala próximo a porta de entrada e a bolsa no sofá. Até mesmo o excesso de roupas que tinha fiz questão de reduzir e doar algumas para a igreja. Tempo de coisas novas como dizia a minha amiga Bridgette. Segui para a cozinha e comecei a preparar um sanduíche para mim, meu voo estava previsto para sair em uma hora e eu não ficaria esse tempo todo esperando no aeroporto. Um lanche antes da viagem cairia muito bem também. Peguei a jarra de suco e despejei um pouco no copo. Me sentei na banqueta da bancada de refeições e comecei a degustar o que havia preparado.
Foi inevitável a imagem de vestido com o smoking azul marinho surgir na minha mente. Ele ficava lindo vestido com essa cor. Realçava ainda mais seus olhos azuis. Um forte suspiro saiu de dentro de mim, e quando me dei conta alguns minutos já haviam se passado com o sanduíche mordido em minha mão. Terminei de comer e corri no banheiro para escovar os dentes. Passei pelo meu quarto pela última vez e entrei nele. Era surreal como o tempo tinha passado tão rápido. Me lembrava de quando meus pais se separaram e fomos morar naquela casa, mamãe e eu.
Estava com tanto medo de me sentir sozinha que acabei me acostumando a estar sempre sozinha, com ela levantando cedo para trabalhar e chegando tarde em casa. A solidão sempre foi uma companheira até que se tornou meu amigo.
— Alô. — disse ao atender o telefone.
— Animada para Seattle? — a voz de Joy soou com empolgação.
Quem diria que eu faria pelo menos uma amizade no curso de marketing e publicidade em Stanford. Mas ali estava Joy, uma grande amiga que junto comigo e Yasmin Fletcher de administração, formamos um trio maravilhoso. E graças às duas eu teria a chance de trabalhar para a sociedade mais bem sucedida que conhecia.
— Um pouco. — disse me aproximando da janela e me apoiando no beiral, ficando de costas para rua — Estou esperando a hora do voo.
— E como foi o casamento? — perguntou ela.
Minha amiga sabia de uma parte da minha fatídica história.
— Não consegui assistir, fiquei um pouco dentro da casa do meu pai, mas logo voltei para cá. — respondi a ela, já sabia que eu me hospedara ali — Sinto meu coração doendo aqui, mas tenho que seguir em frente.
— Que tristeza amiga. — seu tom ficou preocupado — Precisa de alguma ajuda aí?
— Não, sua boba. — ri de leve — Em breve estarei desembarcando em Seattle e tudo vai ficar melhor.
— Sabe que pode contar comigo sempre, né?!
— Sei sim, só de me arranjar esse emprego, eu já fico muito agradecida. — assegurei a ela — Não é todos os dias que consigo ser recomendada a Dominos Company.
— Vai ser um sucesso trabalhar com você aqui, vamos sair muito e beber mais ainda. — ela soltou uma gargalhada.
— Você realmente não tem jeito né. — ri junto.
Ficamos por mais alguns minutos conversando um pouco, até que encerrei a ligação. Novamente o sentimento de perda regressou a mim e senti algumas lágrimas se formarem no canto do meu rosto. Respirei fundo, reuni minhas forças e saí do quarto para uma nova vida. Assim que voltei para sala, meu corpo gelou ao deparar com um pouco ofegante diante de mim.
— O que faz aqui?! — perguntei franzindo a sobrancelha — Era para estar seguindo para lua de mel.
— Acho mesmo que conseguiria ir sem antes ver minha melhor amiga, apesar dela estar fugindo de mim como sempre fez. — sua voz estava mais firme que o habitual, com o olhar sério.
— Não sei do que está falando. — segui até o sofá e peguei minha bolsa — Preciso ir, antes que me atrase.
Passei por ele para chegar até a porta. Me sentindo irritada por minha mãe ter dado sua chave a ele.
— Vai mesmo ir embora assim? — ele segurou em minha mão, me parando no meio do caminho — Vai se afastar de novo ?
— Não, não estou me afastando, estou seguindo em busca de novas oportunidades — aleguei a ele — Anseio meu crescimento profissional, não posso?
— Você se demitiu, vendeu o apartamento e nem mesmo aceitou ser madrinha da April, está se mudando para Seattle — seu olhar ficou mais profundo e analítico — Tudo isso indica uma coisa.
— O que? — indaguei.
— Que eu sou a causa.
— O mundo não gira em torno de você. — retruquei.
— Seus olhos dizem outra coisa. — ele suavizou mais a voz — Pode esconder o quanto quiser, mas eu sei o que sente por mim, estou triste por não ter admitido antes e me deixado ficar com a April.
Isso me pegou de surpresa. Ele me puxou para perto e me abraçou forte. Me senti tão vulnerável e sensível, que minhas emoções foram incontroláveis e comecei a chorar em seus braços.
— Você não iria perder um amigo, . — continuou ele, sussurrando em meu ouvido — Apenas me deixaria te amar, como sempre te amei.
Algum dia, estenda sua mão para mim também
Por favor, se vire e olhe para mim
Pelo menos uma vez, me encontre oh
Pelo menos uma vez, por favor me encontre
Eu estarei esperando, então volte.
- Who Waits for Love / SHINee
“Coragem: Não deixe o medo de perder, te impedir de conquistar.” - by: Pâms
FIM.
Mais um ficstape, mais uma história Continuum. Bjinhos...
By: Pâms!!!!
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