Finalizada em: 14/10/2023

Comeback

Manhattan, inverno de 2019

Eu achei que não fosse conseguir me reerguer, mas aqui estou eu, me encarando no espelho do camarim, há minutos do meu retorno aos palcos. Dançar ballet nunca foi fácil, e seguindo como uma profissão, pode ser considerada a mais incerta do mundo. A primeira vez que calcei minhas inseparáveis sapatilhas, foi aos quatro anos de idade, quando minha mãe percebeu meu talento para a dança e não desistiu dele. Desde então, não passei nem um dia sem que treinasse arduamente para me tornar a primeira bailarina da Constance Dance Academy.

Este foi o sonho que minha mãe alimentou em mim desde criança, ser a melhor nos palcos, e mesmo com talento nato, trabalhei muito para merecer chegar ao topo. E foi neste mesmo tempo que percebi que a vida é como um jogo de xadrez, na qual cada peça tem sua função de importância. Eu era apenas um peão para Grimer, achei que ele me amava, mas apenas queria me usar para se destacar em nosso meio artístico. Ter o coração partido não é um crime, mas foi por causa dele que sofri um acidente em meio a uma apresentação, algo que me custou dois anos da minha carreira promissora.

— É o início de um novo ciclo, Miller. — sussurrei para mim mesma, ao respirar fundo e abrir um sorriso esperançoso.
— Como está minha primeira bailarina?! — a voz da diretora Queller soou atrás de mim, então voltei meu olhar para seu reflexo em meu rosto.
— Estou em plena forma, exatamente como deveria estar. — disse com um sorriso singelo nos lábios.
— Tem certeza? — insistiu ela, com o olhar preocupado — Você não vai se apresentar com um bailarino qualquer.
— Acha que não posso ser profissional, só porque a outra parte é o ? — indaguei, demonstrando segurança em meu olhar — Não é à toa que eu sou a primeira bailarina, e você sabe o motivo.
— Estou feliz em ouvir isso, estava mesmo preocupada. — admitiu ela, dando um suspiro aliviado — Foi conturbado o término de vocês, após tanto tempo de relacionamento, todos os admiravam como o casal referência da academia.
— Esse casal não existe mais. — assegurei a ela, com confiança no olhar — Mas o show tem que continuar.
— Mesmo com toda essa confiança, ainda vejo a decepção em seu olhar. — argumentou ela — Mas confio em você, e acredito em seu potencial.
— Agradeço por isso, e te asseguro que não vou desapontá-la. — afirmei com segurança ao me voltar para ela — Temos um espetáculo para realizar e um público para encantar.
— É exatamente isso que espero, e com altas expectativas. — concordou ela, com um sorriso animado — Estarei na primeira fileira.

Assenti com o olhar e a observei saindo do camarim. A diretora Queller sempre esteve ao meu lado e me motivando nos momentos mais tristes e tortuosos da minha vida. Foi a primeira a se encantar com o meu dom, porém, antes, precisou ser convencida por minha mãe para me ver dançando, aquele dia continua sendo o divisor de águas em minha vida. Eu tinha sete anos, e no mesmo momento ela me ofereceu uma bolsa de estudos para a academia, uma dádiva para mim, já que minha mãe não tinha condições para pagar o alto valor da mensalidade.

Uma coisa era ter aulas com uma senhora aposentada por meio de uma ong nova-iorquina para crianças carentes do Brooklyn, outra, era ter a oportunidade de aprender com os melhores professores da cidade de New York.

— Este é o meu momento. — mantive minha cabeça erguida ao passar pelo corredor até o palco.

Com algumas pessoas dos bastidores com olhares admirados para mim e outras me encorajando e desejando uma boa apresentação, me deixando ainda mais empolgada e animada. Confesso que manter contato visual com , foi repulsivo e desconfortável no início, mas eu como primeira bailarina, tinha uma missão naquela noite: entregar o melhor espetáculo de todos. E por mais que me doa dizer, ele também se entregou de corpo e alma naquele palco, ambos fomos impecáveis ao derramar nossas emoções através da dança, apresentando o clássico A bela e a fera.

— Você foi brilhante, como sempre. — disse , assim que concluímos a dança final da apresentação, permanecendo parados um de frente para o outro, com suas mãos em minha cintura e nossos corpos bem próximos — Por um momento, achei mesmo que seu olhar apaixonado era real.
— Não lamento sua frustração, você nunca mais terá aquele olhar novamente. — assegurei a ele, mantendo o tom sério.

Naquele momento, o som dos aplausos seguiam abafados pelo silêncio entre nós dois, porém, meu coração seguia acelerado transmitindo seu próprio som. Eu ainda o amava, mas aprenderia a esquecê-lo.

A vida é como um jogo de tabuleiro às vezes
Erros e corações partidos não são crime
Mas há muito que passamos sob céus quebrados
Tem planos? Melhor se apressar porque o tempo voa.
- The Show / Niall Horan


Força: Não é o que temos que nos define, e sim, como nos levantamos após uma queda.” - Pâms



FIM.




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