Finalizada em ou Última atualização: 21/04/2023

Indigo

Seoul
Primavera, 2023

Eu já tinha finalizado todas as promoções do meu novo álbum solo. Nunca havia escrito canções que falavam tão abertamente o que eu sentia por dentro, o que me fez considerar 2023, o ano mais triste da minha vida, pois sobreviver a pandemia havia sido mais fácil que sobreviver a ausência dela. Indigo carregava o peso da dor que eu sentia desde fevereiro de 2022, com sua partida. Não que eu vivesse uma vida paralela, afinal, Mia sempre soube quem eu era e minha profissão, ao contrário da gravadora e dos fãs que nem imaginavam sua existência em minha vida. Um relacionamento escondido sempre foi atraente aos meus olhos, o frio na barriga que tinha das muitas possibilidades do Dispatch nos flagrar juntos, quando esbarramos de propósito pelas ruas de Seoul. Imaginar que alguém tão racional como eu, foi se apaixonar tão rapidamente por alguém tão diferente de mim.

A primeira vez que a vi, foi há três anos em uma palestra que participei como convidado para o curso de cinema e audiovisual da Universidade Nacional de Artes da Coreia do Sul (K’Arts). No canto esquerdo do auditório, com os óculos sendo escondidos pela franja e um coque disfarçado, a única brasileira da turma que tinha ganhado bolsa de estudos pelo programa Art Major Asian (AMA). Em minhas perguntas sutis aos ouvintes, acabei descobrindo que ela era uma recém formada em arquitetura com o sonho de se tornar cenógrafa. O causador disso? O grupo Big Bang e seus cenários no MV Fantastic Baby, que curiosamente é um dos meus favoritos.

Dias. — sussurrei seu nome, mantendo meu olhar para o teto, sentindo mais uma vez as lágrimas retornarem a rolar por meu rosto.

Respirei fundo e senti o cheiro do álcool exalando da garrafa de Soju ao meu lado, já se contava algumas horas em que minha mente havia se entregado ao desespero e para aliviar a dor, algumas garrafas foram meu consolo. Deitado ao chão, apenas a fina camada do tapete separava minhas costas do piso gelado, porém, não se comparava a frieza do seu olhar quando me disse adeus, intrigante como cada detalhe daquela suíte de hotel me fazia lembrar ao dia da minha tristeza.

— Hum?! — voltei meu olhar para o lado e vi a tela do celular acesa, estava no silencioso, mas pude notar que se tratava de uma chamada. Ergui meu corpo e peguei o aparelho, passando alguns segundos encarando-o para me decidir se atendia ou não.

Apertei o botão verde e coloquei no ouvido. Um suspiro de alívio soou do outro lado.

— Hyung?! Está tudo bem? — a voz de Jimin soou com preocupação.
— Sim, estou. — mantive o tom baixo, disfarçando meu cansaço misturado à tristeza.

Não estava sendo nada fácil forçar sorrisos e bem estar nos shows e meets com os fãs. Eu queria dar o meu melhor às pessoas que tanto me dão força ao longo da minha jornada como cantor e líder do BTS, não podia desapontá-los, nem os membros e os managers, o que aumentava meu esforço mental para aparentar tudo bem.

— Você disse que viria a empresa após sua sessão de autógrafos, ficamos te esperando para parabenizar o fim das promoções de Indigo. — explicou ele, o motivo da ligação — Mas o manager disse que preferiu ir para casa.
— Me senti cansado e me rendi ao sono quando cheguei no hotel. — relatei a ele.
— Está mesmo tudo bem? Se quiser podemos nos reunir aí. — sugeriu ele.
— Eu estou bem. — reforcei com serenidade e confiança — Estar perto das armys reativou minhas energias e me deu força para seguir em frente, só preciso descansar fisicamente agora e prometo que amanhã estarei no almoço na casa dos pais do Jin.
— Vamos te esperar lá, hyung. — confirmou ele, num tom um pouco mais animado. — Até amanhã Jimin. — disse, já encerrando a ligação.

Respirei fundo e me levantei do chão, foram apenas alguns passos até parar na janela e avistar os carros na rua, não foram necessários dois minutos para me lembrar dos muitos momentos que tivemos juntos. Nosso relacionamento parecia um filme da Netflix, de tão perfeito, mas um filme sempre chega ao fim com seus letreiros. Não foi pelos fãs, ou pela minha agenda cheia de compromissos, ou a cobrança da Hybe, ou pela nossa cultura oposta, menos ainda por ela ser três anos mais velha que eu. Até os membros já estavam se acostumando com sua presença nos ensaios e sendo nossos cúmplices naquele segredo.

Das muitas barreiras entre nós, jamais imaginaria que o motivo seria o menos esperado: O serviço militar.

E agora, faltando duas semanas para meu alistamento, minha garganta ardia com um grito preso. Não estava com raiva dela, menos ainda das circunstância em que me deixou, eu me orgulho em servir meu país, e Mia entendia isso além de me apoiar como amiga... Eu apenas tinha raiva dos traumas de seu passado, que a levou para longe de mim, pelo fato de seu pai ter sido um militar e ter morrido em serviço. Ela não queria passar pela mesma dor da perda novamente, e meu alistamento a assustou de uma forma surpreendente.

Por mais que fosse apenas 21 meses, eu seria um soldado ativo, e... E se meu país entrasse em guerra? Eu teria que voltar e proteger minha pátria. Não tinha o que argumentar, no final, eu apenas a deixei ir, sabendo que meu coração seria arrancado de mim e seguiria para o Brasil com ela.

— I tried a million times to let you go... — mais uma vez sussurrei, agora a letra da minha canção.

Me lembrando da promessa que havia feito a ela, de deixá-la ir e me esforçar para esquecer o que vivemos. Entretanto, tudo o que tocava fazia sua imagem aparecer em minha mente, criando dentro de mim o mais angustiante sentimento de saudade. Nem mesmo a constante companhia dos membros para me apoiar, conseguiam sufocar a sensação de solidão que me envolvia sem seu sorriso.

Seu coração era o meu lar, e eu só queria voltar para casa agora.

Eu tentei um milhão de vezes deixar você ir
Tantas memórias estão no chão
E agora, eu odeio as cidades que não pertenço
Só quero voltar para casa.
- Lonely / RM

Amor: Você foi a minha vida inteira, mas eu... Fui só um capítulo da sua...
- Ps : Eu te amo.”




FIM.




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