Finalizada em: 25/07/2023

Libertà

Veneza - Itália
Outono de 1935

Noite calorosa, céu estrelado e um homem ajoelhado diante de mim, com um pedido de casamento não tão inesperado. Certamente é algo que a maioria das mulheres desejavam em um relacionamento, exceto aquela pequena parcela da qual eu me integrava. Martinelli é sem dúvidas o homem mais romântico que já conheci, de uma lista considerável de nosso círculo social, e ao longo dos nove meses de relacionamento inicialmente arranjado por nossos pais, as palavras mais ditas por ele eram: casar e ter filhos. Algo que eu não cogitava para mim, e mesmo tendo uma família conservadora e tradicional que insistia em me empurrar um matrimônio antes dos vinte, minha vontade na vida era de ser livre dessas amarras e viajar o mundo, conhecer pessoas interessantes e descobrir novas possibilidades.

Contudo, ali estava nós, ao centro do jardim da casa de seus pais, rodeados por nossos parentes com seus olhares curiosos atentos a minha resposta, sob a luz da lua no céu estrelado. Meu coração ficou acelerado, não por estar emocionada com o pedido, mas por não saber como reagir àquela cena sob a pressão das pessoas ao nosso redor. Internamente, me veio um desejo ardente em recusar de imediato, por mais que houvesse alguma consideração de minha parte por ele. No entanto, o máximo de reação de minha parte fora um sorriso singelo e um sutil balançar de cabeça, que mal interpretado ocasionou em uma afirmativa de minha eufórica tia Francesca. A única viúva da família Esposito que já havia enterrado três marido ricos e estava à procura do quarto para sua lista de romance à Toscana.

— Olhem este sorriso, olha o brilho neste olhos, mas é claro que ela aceita, mal consegue responder de felicidade e surpresa. — em alto e bom tom, suas palavras pareciam sinfonia para todos que desejavam escutar de fato uma afirmativa de minha parte.

manteve o olhar esperançoso e atento a mim, que nem mesmo conseguia raciocinar direito. Apenas me mantive estática mentalmente ao senti-lo encaixar a aliança em meu dedo e logo em seguida beijar minha mão.

— Não sabe o quanto este dia preenche meu coração de alegria. — sussurrou ele, assim que se levantou, mantendo o sorriso no rosto — Eu te farei a mulher mais feliz desse mundo.

Sua palavras eram tão seguras que pareciam verdadeiras. Mas, desde quando minha felicidade dependia dele? Esta foi a pergunta que martelava em minha mente durante todo o jantar. E quanto mais os parentes de ambos os lados me parabenizaram pelo pedido, dizendo que me faria muito feliz, pois era minha melhor escolha para o futuro, mais eu me sentia inquieta internamente como uma sensação de angústia. Eu não queria ser feliz a partir de um marido, ou um casamento, eu queria ser feliz por mim mesmo. Em um dado momento da noite, que me senti sufocada pelos comentários felizes dos outros, e mais planos de terceiros para nossa vida matrimonial, sendo capazes até de determinar o tempo que tínhamos para encomendar um herdeiro, fingi ter um mal estar para enfim me ausentar do recinto e permanecer um tempo reclusa no quarto de hóspedes para recuperar-me.

Meu momento de refúgio e paz. Que infelizmente perdurou por poucos minutos até pedir permissão para conversar comigo, a portas abertas é claro. Sempre cavalheiro e demasiadamente respeitoso, algo que muito admirava de seu caráter. Talvez em uma outra eu, com outros pensamentos e anseios, sem as pessoas querendo decidir nossas vidas por nós, talvez sem ter que ouvir de tia Francesca e minhas amigas por tantas vezes que eu somente seria feliz se me casasse com um homem de posses e influência como ele, talvez pudesse amá-lo da mesma forma e intensidade que parece me amar.

Mas essa não era eu, em partes, poderia lamentar, em partes não.

— Está tudo bem, ? — indagou ele, permanecendo na porta, seu olhar preocupado.
— Sim, como diz a tia Francesca, acho que foi pela surpresa do momento. — disse com um sorriso disfarçado.

Eu me mantive próximo a janela, evitava encará-lo, pois precisava permanecer concentrada em meu disfarce. Entretanto, adentrou mais o quarto e parou em minha frente, pegando em minha mão com a aliança, fazendo-me olhá-lo curiosa por seu gesto.

— Eu a conheço desde pequena, crescemos juntos, estamos no mesmo círculo social, nossas famílias são próximas e nossos pais são amigos... E meus sentimentos por você nunca foram ocultados. — iniciou ele, num tom suave e olhar sereno — Eu a conheço tão bem, que sei quando mente e quando diz a verdade.
... — tentei interrompê-lo, porém seu dedo indicador em meus lábios me silenciou.
— Deixe-me terminar, por favor. — pediu ele, assenti com balançar de cabeça dando uma resposta positiva — Eu a amo com todas as minhas forças e talvez, nenhum outro homem irá sentir isso por você com a intensidade que sinto... Mas mesmo assim, não quero que se sinta obrigada a tal coisa.

Ele alisou o anel em meu dedo, deixando-me entender a que ele se referia. Assenti novamente e o observei se afastar. Naquele momento, por uma fração de segundo, meu coração pulsou mais forte por ele, sentindo tristeza por não retribuir tal sentimento. Ao final do jantar, retornei para casa com meu pai e tia Francesca, em silêncio e pensativa no que faria de minha vida, afinal, um casamento arranjado entre família não é algo que sonhei para mim, mesmo conhecendo a outra parte desde a infância.

— Estou muito orgulhoso de você, minha querida. — disse meu pai, assim que paramos no corredor dos quartos, e ele me olhou sorridente — Tenho certeza que fará um excelente casamento.
— Pai eu... — respirei fundo, queria dizer a ele tudo que eu pensava sobre o assunto, mas aquele olhar me matava por dentro e não me deixava ter a coragem necessária para o assunto.
— Tua mãe também ficaria orgulhosa, se estivesse aqui conosco. — ele me deu um leve beijo em minha testa e com o olhar saudoso se afastou.

Doeu meu coração, a menção de minha falecida mãe. O que me fez ficar minutos parada encarando o chão, porém, ao ouvir passos subindo as escadas, antes mesmo que tia Francesca aparecesse para me roubar o silêncio, adentrei meu quarto fechando a porta. As horas se passaram, comigo observando a lua através da janela do meu quarto, eu não conseguia encará-los, era um fato, então só havia uma forma de seguir meu caminho.

Em uma folha em branco, escrevi uma carta ao , contando como eu me sentia acerca de nosso noivado surpresa e de todas as expectativas que nossas famílias criaram acerca de nosso futuro. Eu não seria desonesta com ele, e o agradeceria muito por me amar, porém, o deixaria em pela consciência de que minha felicidade jamais dependeria dele, ou de qualquer outra pessoa.

— Isso não quer dizer que eu não sinta nada por você. — sussurrei as palavras finais escritas naquele papel, então dobrei e coloquei dentro de um envelope, o deixando em cima do meu travesseiro com o anel de noivado.

Um respiro profundo, a última olhada em meu quarto e nas coisas que deixaria para trás... Estava certa que após descer por aquela janela, um nome mundo cheio de descobertas me aguardava, e eu estava ansiosa para conhecê-lo.

O céu da meia-noite é a estrada que vou pegar
Cabeça erguida nas nuvens...
Eu nasci para correr, não pertenço a ninguém, oh não
- Midnight Sky / Miley Cyrus




FIM.




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